"Ela entrou, deitou-se no divã e disse:
-Acho que estou ficando louca.
Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura.
-Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões _é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto.
Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse:
-Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver."
A complicada arte de ver, de Rubem Alves.
(texto extraído do caderno "Sinapse", jornal "Folha de S.Paulo", versão on line, publicado em 26/10/2004)
2 comentários:
Line, olha esse site, de culinária e outras coisitas, ache a sua cara: http://www.lacucinetta.com.br/
tem daquelas "bolas" roxas aqui do lado de casa!
óóhh!
vou bater foto..
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